domingo, 20 de abril de 2008

Um ponto de interrogação

escrito por *Torquato Rocha


O show do grupo Ornitopandas, que encerrou a primeira noite do Jaguararte, foi o contato mais questionador que o público que entrou no Theatro Esperança pôde ter naquela noite. Donos de uma poesia totalitária, inspirada nos movimentos de vanguarda modernistas, os três garotos estabeleceram uma reação de ódio e tédio com a platéia.
O diretor e roteirista de cinema e teatro Domingos de Oliveira disse que “a arte é a vida sem as partes chatas”. Pois os artistas em questão resolveram fazer o contrário. Liquidificaram em quarenta minutos só as partes chatas da vida: a rotina, o consumo capitalista exacerbado e o lado ruim do amor. Porém, entraram na prática com tanta veemência que a platéia não conseguiu refletir a respeito e não aprovou em nada a idéia.
O casamento entre estética e conteúdo foi perfeito. Na primeira música, Bruno Bandido mal conseguia cantar o refrão “eu odeio te amar” pois tinha ataques de tosse proposicionais enquanto Felipe Rosales e Thomas Silva deliravam em seus instrumentos. Logo após, sentaram-se todos em uma mesa, despejaram a comida nela e em uma cena infernal comeram os rótulos dos produtos a seco. O ponto auge do show foi uma música de 15 minutos de duração em que a frase “eu quero morrer de tédio pra morrer te amando” era repetida freqüentemente.
Na questão instrumental, parece que eles desaprenderam a tocar para fazer o show. O que deixou o público mais irritado e perplexo. Antes de subirem ao palco, os próprios artistas colaram pelo saguão cartazes dizendo “não assistam aos ornitopandas”. A provocação foi respeitada.


* Torquato Rocha é filósofo e pedreiro.

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